domingo, 21 de setembro de 2025

Literatura

Dica de Leitura

Pequenas Histórias - Gilmar Kettes Niederauer 


Minha quarta obra, desta vez, tratando sobre futebol, mais exatamente, 74 crônicas que envolvem a minha paixão pelo Grêmio Porto-alegrense e alguns momentos marcantes de Copas do Mundo. 

Lançado em junho deste ano, apenas na versão e-book.

Pode ser encontrado na Amazon ou Hotmart, epub e pdf, respectivamente. 

Possui 191 páginas.

Deixo aqui uma delas:

Caszely, o craque que encarou Pinochet

11 de setembro registrou um retrocesso imenso para a humanidade; milhares de pessoas foram executadas, muitas torturadas antes, algumas sem o ato humano de exéquias e sepultamento.

Esta data remonta ao fatídico ano de 1973, terrível para os chilenos, quando o presidente socialista eleito pelo voto popular, o médico Salvador Allende, tornou-se vítima de um golpe à democracia perpetrado pelo traidor general Augusto Pinochet, um de seus ministros, uma marionete inserida no movimento de instabilidade que os EUA realizavam nas Américas. Allende não cedeu e renunciou à vida, resistindo à insidiosa subserviência dos militares ao “Tio Sam”.

Neste período, o clube mais popular do país, o Colo-Colo, nome em homenagem ao líder indígena do povo Mapuche, que lutou contra os colonizadores espanhóis, vivia grande fase, decidindo, inclusive, a Libertadores da América, façanha inédita para o futebol andino, onde mantinha um público médio de 40 mil pessoas em seus jogos. Forneceu a base para a Seleção na Copa do Mundo disputada na Alemanha em 1974.

Deste clube histórico, a grande estrela chamava-se Carlos Caszely, centroavante baixinho, canhoto e vocacionado na arte de marcar gols. Pela sua habilidade, ganhou uma expressão: - O Rei do Metro Quadrado - pela incrível habilidade nos dribles e movimentos em exíguos espaços nos gramados.

Caszely participava ativamente na política de seu país, fruto de sua conscientização do conceito de cidadania, que o levou a ter identificação com a Unidad Popular, coalização que conduziu Allende à eleição, à presidência do Chile.

Caszely apoiou abertamente os candidatos socialistas, pois gozava da condição de maior ídolo do principal esporte chileno e capitão do Selecionado, deferência que atingiu cedo, aos 22 anos.

A disputa para o Chile ir para a Copa do Mundo de 74, exigiu a confirmação da vaga em dois confrontos com a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

A partida de ida ocorreu em Moscou, um empate por 0 a 0. Assim, as chances aumentaram para os sul-americanos. Uma vitória simples carimbaria o passaporte para a Alemanha Ocidental, sede do torneio.

Designado para a partida de volta, o estádio Nacional, após o golpe militar liderado por Pinochet, transformou-se num verdadeiro campo de concentração, um símbolo triste das atrocidades cometidas pelo ditador e seus asseclas. Os soviéticos se negaram a vir, mesmo que isso, significasse não disputar a Copa do Mundo.

O governo chileno, como última tentativa, pegou seus presos, retirou-os do estádio, levou-os para a cidade abandonada de Salitrera, de Chacabuco, porém, evidentemente, a representação europeia não veio, aí, aconteceu um dos eventos mais patéticos da história das Copas. O Chile entrou em campo no estádio Nacional, sem adversário, o árbitro apitou e os jogadores saíram tocando a bola até o arco vazio e Francisco “Chamaco” Valdés marcou o gol, garantindo a vaga. “O gol mais triste do Chile”.

O Palácio La Moneda, interditado, pois havia sido bombardeado, então, Pinochet, na sede provisória do governo, recepcionou a delegação para os cumprimentos no embarque para a Alemanha.

Quando o ditador estendeu a mão para o capitão Carlos Caszely, este lhe negou o cumprimento, que foi duramente criticado pelo porta-voz do governo: - “Veja como é desagradável esse jogador comunista, que, inclusive, foi capaz de negar a saudação ao Presidente”.

Na Alemanha Ocidental, o Chile não passou da primeira fase e Caszely acabou expulso na partida de estreia, dando munição aos seus críticos.

Enquanto se desenvolvia a competição na Europa, no Chile, Dona Olga Garrido, mãe de Caszely, acabou detida e torturada. O craque só tomou conhecimento disso ao voltar do Mundial. Pinochet tinha se vingado da forma mais cruel possível do gesto do atleta.

Na nova década, com a pressão aumentando pela sociedade chilena e organismos internacionais, mais o distanciamento dos Estados Unidos, a ditadura deu sinais de cansaço, de falta de fôlego, assim, veio o seu esmorecimento.

Em 1988, na tentativa de passar um tom de legitimidade a seu governo, Pinochet convocou um plebiscito para 5 de outubro. Caberia ao povo decidir pela continuidade ou não do regime liderado por ele.

No mês de setembro daquele ano, a televisão exibiu propagandas entre Sim e Não pela permanência ou fim da ditadura. Caszely, convidado a participar da campanha, sugeriu que outra pessoa de sua família fosse se manifestar, pois ela experimentara, na prática, os horrores físico e psicológico das ações dos golpistas.

Em 20 de setembro, Olga Garrido contou em detalhes os momentos macabros que passou diante dos militares. Na sequência, junto dela, Caszely apareceu diante das câmeras, conclamou a votarem pelo Não. “Porque sua alegria é minha alegria.” Porque seus sentimentos são meus sentimentos. Porque esta linda senhora é minha mãe”.

A história jamais exposta em público gerou uma enorme comoção nacional que desequilibrou o resultado do plebiscito, com o “No” ganhando o percentual de 60%, fazendo retornar a democracia ao povo chileno no ano seguinte.

Esta é a história de um craque que brilhou dentro e fora das quatro linhas, futebol e cidadania, sempre com muita coragem e de forma destemida.

Caszely tem um lugar definitivo na luta pela busca de uma sociedade mais justa e humana em seu país.

Original em 01/12/24.

Literatura de Apoio (Fontes):

https://ludopedio.org.br

https://brasil.elpais.com


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